Ana Hikari fala da importância de se declarar bissexual: ‘Pode ser encorajador para meninas que estão no mesmo lugar que eu’

Livre, dona de si e sucesso na carreira artística… Ana Hikari tem muito o que dizer e mostrar, e está disposta a isso sem se esconder. Não à toa, decidiu abrir o jogo e falar abertamente sobre sua orientação sexual. Em entrevista exclusiva ao Gshow, a artista de 25 anos conta por que decidiu tornar pública sua bissexualidade, assunto que, segundo ela, vem sendo tratado entre os íntimos com a maior naturalidade de uns tempos para cá.

Mas nem sempre foi assim. A intérprete de Tina, em Malhação – Viva a Diferença, admite já ter sofrido com a sensação de não pertencimento. Agora, ciente de sua importância como figura pública, acredita que, ao contrário do que aconteceu com ela, pode servir como referência para milhares de jovens.

Ana já havia sinalizado nas redes sociais que gosta de meninos e de meninas, mas sem se aprofundar. Os que acompanham seu trabalho e a seguem na web já sabiam de sua bissexualidade. Só que ao expor seus sentimentos de forma tão sincera durante uma live na última segunda-feira, 29/6, ela alcançou um número bem maior de pessoas e virou um dos assuntos mais comentados na internet.

“Na minha vida pessoal, nunca foi um mistério. Sempre falei muito abertamente com meus amigos sobre isso, e acho que minha decisão de falar publicamente veio de uns tempos pra cá. Na verdade, ontem não foi a primeira vez. Já tinha postado. Aos poucos, meu público já tinha entendido. Ontem, fiquei mais à vontade pra falar.”

“Não teve um momento único pra mim, de ter caído uma ficha. Foi um processo que fui compreendendo, de que era aquilo que eu queria mesmo, que eu sentia e não mudava. Depois de um tempo, se tornou tão constante dentro de mim. Sempre foi assim e está tudo certo. Não é sobre entender que não era uma fase, e sim entender que isso nunca vai mudar.”

“Acho que não descobri que eu era bi, porque não é sobre descoberta. A gente sente, né? Sabe o que é. Não sei explicar direito, eu sou isso. A descoberta que tive foi muito menos sobre quem eu sou e muito mais sobre entender que o mundo tem que aceitar. Apesar de falar muitas vezes que não é OK ser o que sou, ele está errado. Sou o que sou, e é super normal.”

Processo de entendimento

“Aconteceu principalmente na faculdade, que foi quando a gente fundou o coletivo feminista. Estudei na ECA- Usp (Escola de Comunicações e Artes) e quando comecei a frequentar esse coletivo fiquei com vontade de ir para o coletivo LGBTQIA+, mas não me sentia à vontade. Acho que para as pessoas bissexuais a sensação de não pertencimento é recorrente. Você acha que não ficou com tantas pessoas do gênero x ou y, e nunca tem a sensação de pertencimento. Faz parte levantar as questões sobre bissexualidade e falar que está tudo bem. Não depende de quantas pessoas ficou, depende de como você se sente.”

“Ser bissexual é se sentir atraída por mais de um gênero, seja de maneira romântica, sexual ou afetiva. Acho que quando entendi isso e aceitei foi quando fiquei mais tranquila, e pensei: 'Está tudo certo comigo'. Normalizei isso pra mim.”

Em casa…

Com os pais, a paulistana diz que esse assunto, até então, nunca tinha sido falado cara a cara, mas que também nunca foi uma questão. E revela como sua mãe ficou sabendo:

“Comentei que ela ia assistir à live. Não foi nada demais, heterossexuais nunca tiveram uma conversa do tipo: 'Oi, mãe. Sou hétero'. Quando entendi que tinha que normalizar isso na minha vida, nunca me coloquei em um lugar de virar para minha mãe e dizer: 'Preciso conversar com você, eu sou bi'.”

“Achava que tinha que ser normal, como qualquer outra coisa. Assuntos sobre sexualidade, ficar com mulheres, na minha casa sempre vieram de maneira natural e eles não davam atenção. Meu pai falou que já sabia. Sempre trouxe com naturalidade para não tornar uma grande questão para eles. Quanto mais natural eu tratasse esse assunto, mas eles seriam obrigados a tratar de maneira natural também. Nunca acharam que tinham que me questionar.”

Responsabilidade

O fato de ter sua voz ouvida por tanta gente, encorajou Ana a compartilhar com o público mais sobre sua intimidade:

“É extremamente importante falar sobre isso, principalmente por ser uma pessoa pública, porque acabo sendo a referência que eu muitas vezes não tive. Passei muito tempo da minha vida sem saber que existiam bissexuais. Não tenho referência de pessoas públicas que falem sobre. Por isso, tomei a decisão de falar. Sobre essas questões, em geral, sempre me posicionei.”

“Falar agora, em primeira pessoa, é muito importante para mim. Pode ser encorajador para meninas que estão no mesmo lugar que eu, que não sabem o que é, o que estão sentindo… Poder mostrar para elas que é normal, tudo certo e que não é uma fase.”

Sobre conquista, ela admite despertar interesse tanto em homens, quanto em mulheres. E diz o que a atrai numa pessoa: “Recebo cantadas em geral. A inteligência é um fator que me conquista. Morro de paixão por quem sabe muito e tem coisas para me ensinar.”

A sensação após ter se declarado bissexual é de responsabilidade, avisa a atriz: “Falar sobre esse assunto, eu já falava. Não tive restrição quando entendi que estava tudo bem. A não ser na minha adolescência, aí foi difícil, não falava com ninguém. Mas de uns tempos para cá, não era mais um tabu.”

“Falar publicamente sobre isso é muito menos um alívio e mais uma sensação de responsabilidade, sabe? Porque sei que é delicado e importante de ser tratado. Fico feliz de dialogar com muitas meninas e bissexuais por aí.”

Em Malhação, o casal formado por Samantha (Giovanna Grigio) e Lica (Manoela Aliperti) era o preferido da atriz. Apesar de existir preconceito, Ana se sente acolhida e abraçada por muitos:

“Fico feliz com o apoio dos fãs de Malhação. Passei muito tempo na novela. Não falava publicamente sobre isso, apesar de o elenco saber, mas sempre apoiei o casal Lica e Samantha. Torcia tanto, que os fãs até brincavam que eu era tão fã quanto eles. Diziam que eu era madrinha do casal.”

“Torcia pela representatividade que enxerguei ali e nunca tinha visto antes. Se na minha adolescência tivesse visto isso na TV, talvez teria sido mais fácil lidar com minha sexualidade e achasse normal o que eu estava sentindo.”