Dia Internacional da Mulher: Macabéas e Clarice Lispector

O Dia Internacional da Mulher é comemorado anualmente no dia 08 de março – data esta que ultrapassa as conhecidas homenagens, flores e bombons, para se afirmar como um marco na luta por direitos humanos, igualdade de gênero e justiça social. Convido você leitor e leitora, para uma reflexão a respeito do reconhecimento dos desafios enfrentados pelas mulheres no mundo contemporâneo.

Para enriquecer essa reflexão, busco inspiração na obra “A hora da estrela” de Clarice Lispector, cuja escrita nos coloca frente a frente com a solidão e o silencio de quem vive a margem da sociedade, permitindo um mergulho nas contradições e nas complexidades da existência feminina.

Clarice apresenta em sua obra, uma narrativa humana sobre a vida de Macabéa. Uma jovem nordestina que migra para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor, mas que encontra uma existência marcada pela insignificância e indiferença. Aparentemente incomum e sem brilho, Macabéa é apresentada: datilógrafa, vive uma vida precária e tem uma rotina sem grandes acontecimentos, que beiram a monotonia e falta de perspectivas.

É a partir desta simplicidade, que Clarice nos permite pensar sobre a invisibilidade de pessoas que vivem a margem de uma sociedade que as ignora – como será viver enquanto mulher, em um mundo, que nem reconhece sua própria presença? Como afirma Rodrigo S. M., narrador fictício criado por Clarice Lispector para contar a história da personagem Macabéa, “…O que escrevo é mais do que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares delas. E dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida” (p.11).

A associação possível aqui, diz respeito à jornada de Macabéa, que ecoa as vivências de muitas mulheres silenciadas, que enfrentam diariamente a opressão, a pobreza e a exclusão. Quantas mulheres, ainda hoje, permanecem sem acesso a direitos fundamentais, como saúde, educação, segurança e dignidade? Quais são as mulheres que comemoram, anualmente o dia 08 de março?

“A menina não perguntava por que era sempre castigada mas nem tudo se precisa saber não saber fazia parte importante de sua vida” (p.25). Segundo dados do último Atlas da Violência (2024), a respeito da violência doméstica e intrafamiliar, estas totalizaram 65,2% de todas as notificações de violência contra vítimas do sexo feminino no ano de 2022, chegando a 144.285 casos. Dentre as formas de violência mais frequentemente notificadas, a violência física continua a aparecer como prevalente com 36,7% dos casos: 51.407 registros apenas em 2022, porém a negligência, com 11,9% dos casos, e a violência psicológica com 10,7%, continuam persistentes, conquistando espaço nas notificações e discussões quando abordada a temática.

Através dos movimentos feministas, a luta por igualdade de gênero e pelo empoderamento feminino é, antes de tudo, uma luta por direitos humanos. Em consonância com os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os feminismos denunciam as múltiplas formas de discriminação e violência que afetam mulheres de diferentes idades, raças, classes sociais, orientações sexuais e identidades de gênero. Essas interseccionalidades – que Clarice, em sua obra, frequentemente tangencia ao revelar os dilemas internos das personagens – são essenciais para entender as desigualdades estruturais que ainda persistem.

No Brasil, um dos países que mais sofre com altos índices de violência de gênero, o Dia Internacional da Mulher precisa ser um espaço para fortalecer políticas públicas e iniciativas comunitárias. O enfrentamento ao feminicídio, à violência doméstica e ao assédio sexual, por exemplo, requer não apenas legislação adequada, mas também uma mudança cultural profunda. As mulheres que buscam proteção e justiça não devem ser vistas como vítimas passivas, mas sim como agentes de suas próprias histórias – será ter sido possível isso, à Macabéa?

Seja na infância, na vida adulta ou na terceira idade, o fato é que a desigualdade de gênero nas relações entre homens e mulheres, consolidada ao longo de centenas de anos, segue delineando as assimetrias de poder e produzindo relações violentas que vitimam meninas e mulheres durante toda a vida (Bianchini, Bazzo e Chakian, 2022).

Inspiradas por Clarice Lispector, que nos ensina a enxergar as mulheres em sua humanidade e singularidade, podemos transformar o Dia Internacional da Mulher em um momento de reflexão e ação coletiva. Que possamos seguir questionando, sonhando e lutando por um mundo onde nenhuma Macabéa seja esquecida.

– Tamara Tomitan Richter é psicóloga, psicanalista e professora da Unicermar. É doutoranda no Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Promoção da Saúde, sendo orientada pela professora Dra. Tânia Gomes, com quem divide a coordenação do Grupo de Pesquisa Gênero, Saúde e Direitos Humanos de Grupos Vulneráveis (CNPq) e o projeto de Extensão de enfrentamento da violência para alunos do curso de Medicina.