Um Contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço
A maioria das pessoas chega aos 60 anos pensando em aposentaria. Raros são aqueles que, nessa época de suas vidas, ainda ambicionam grandes realizações. Felizmente para os fãs dos quadrinhos, o consagrado autor Will Eisner nunca se enquadrou na categoria dos conformados.
Em 1976, aos 59 anos, Eisner novamente reinventou a si próprio e aos quadrinhos. A inspiração e a visão do autor sobre as possibilidades das HQs o levaram a empreender a obra que sinalizaria o início de sua fase mais autoral.
Um Contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço, lançado em 1978, seria marco. Afinal, em suas páginas se encontram os temas mais comuns ao autor em sua maturidade, que seriam explorados em inúmeras obras que seguiriam ao longo dos anos.
Os quatro contos que compõem o livro não têm um protagonista fixo. O único elo é um velho prédio decadente. As histórias giram em torno de seus habitantes e das pequenas tragédias de seus cotidianos. Seus personagens nada trazem do glamour e do maniqueísmo dos super-heróis dos comics. Muito ao contrário, são por vezes mesquinhos, patéticos e perdidos, como qualquer ser humano verdadeiro.
Lá se encontram o homem e a mulher comuns, trabalhadores e donas de casa da classe baixa judia nova-iorquina, morando em sórdidos cortiços e sonhando com uma vida melhor.
Eisner lança seu olhar sobre os perdedores, os solitários e os desesperados. Porém, o faz sempre cultivando a esperança e a compaixão. Como um bom escritor humanista, sua obra nunca fez o elogio do desespero.
O ambiente retratado é bem conhecido pelo autor, que cresceu em lugares assim nos horríveis anos da grande recessão da década de 1930. No conto Cookalein, que fecha o livro, o personagem Willie é claramente um alter ego de Eisner. Esta veia autobiográfica seria mais tarde desenvolvida no álbum No Coração da Tempestade.
Por qualquer parâmetro que se julgue, Contrato com Deus é das raras obras que merece a classificação incontestável de obra-prima dos quadrinhos. Talvez a única outra que se equipare a ela em influência e valor literário seja Maus, de Art Spiegelman. É um divisor de águas e leitura absolutamente indispensável a qualquer um que se interesse por HQs ou simplesmente por boa literatura