“Tio Zózimo – Lições de motorista”
Quem avisa amigo é. Tio Zózimo havia comprado a Kombi para ajudar um amigo. E agora a vizinhança da rua fazia piadinhas. Nunca tinha montado num burro, vai querer dirigir? Tentou passar pra frente o veículo. Ninguém queria. A crise. O medo. O imposto é alto, falava o espanhol da loja de tecidos.
Tanto que para não perder tanto dinheiro, Tio Zózimo resolveu aprender a dirigir. Foi a festa da criançada e o pânico das mães. Até que ligar o motor era fácil. Difícil era controlar a embreagem e o acelerador.
Apavorado. Pisava num pedal, acionava o outro. Soltava a embreagem antes da hora. Pisava de novo. A Kombi avançava, parava, corcoveava. Só não saltava de lado, nem dava coices. Para percorrer de uma esquina a outra era uma luta. Dias e dias peleando com a ciência dos pedais.
Preocupadas, as mulheres da Rua de Baixo já queriam ir falar com o delegado ou com o suplente de vereador, tamanho era o perigo e o terror. A Kombi corcoveante podia atropelar um filho de Deus ou até uma galinha da Dona Efigênia.
Até o Altamiro que tinha acabado de fazer um curso de fotografia por correspondência e era o mais estudado da rua, quando via aquele perigo sobre rodas, disparava portão adentro e ficava da janela assistindo. Uma hora vai bater na cerca de balaústras.
A questão passou a ser de todos. Teve até reunião marcada. Na ponta da rua. O povo todo lá. Quando viram que a Kombi ia e vinha, corcoveando, saltando, foi um Deus nos acuda. Mães gritando os filhos. Moleque pulando cerca. Pais subindo nas sibipirunas floridas. Um menino torceu o pé na boca de lobo. Uma tia perdeu um pé da chinela. Não houve mais jeito de reunir o povo de novo pra discutir o problema.
No dia seguinte, despontava na esquina, de novo, Tio Zózimo, lutando com o pedal da embreagem. A Kombi avançando aos pouquinhos. Altamiro, atrás da janela, não sabia se ria ou gritava de medo. Foi quando passou Rosinha. Dirigindo seu Fusca azul. Suave. Reto. Direto. O carro obedecia aos comandos da moça assim como a flor captura o segredo da brisa ou a abelha colhe o néctar da flor.
Por seu lado, Tio Zózimo estava se achando o Bila, o Zika. Dirigia de janelinha aberta. Braço pra fora. Nem se dava conta de que quando passava, aos trancos, pela praça, domingo à tarde, na hora da matinê do cinema, a galera ria, jogava saquinhos de pipoca. Assoviavam.
Ou nas tardes de jogo no MEC, a torcida até esquecia da fila de ingressos para zuarem o pula-pula da Kombi. Ele ao volante nem percebia. Certamente se achando um Fitipaldi das Kombis.
Preocupado com a situação, deu se o estalo em Altamiro. Por que não pedir pra Rosinha instruir o amigo na arte de dirigir a Kombi? Ela concordou. Tio Zózimo, porém, sentiu-se ultrajado. Derrotado. Ameaçado. Onde já se viu, aprender a dirigir com uma moça? Eu sou mais eu.
Por vários dias seguidos Altamiro insistiu. Cada dia tentava um argumento. Nada. Pelo perigo de atropelar uma criança, um pessoal já estava até pensando em tacar fogo na Kombi. Altamiro estava cada dia mais apreensivo. Será que a primeira foto que ia revelar ia ser de uma tragédia?
Foi quando, já sem esperanças, revelou ao insistente motorista que todo mundo estava se rindo dele. Fazendo chacotas. Apelidando-o. Tio Zózimo que se julgava um playboy do volante sentiu demais o golpe. Humilhado. Guardou a Kombi no fundo do quintal. Dias. Semanas. Meses.
Ficava agora, nestes dias sem Kombi, de plantão para ver. Rosinha passava dirigindo seu Fusca azul. Como é que podia? Tão leve a direção dela. Foi garrando simpatia pela moça. Vencendo seus preconceitos. Revirando conceitos. Reconsiderando aos poucos a proposta de Altamiro. Será que ele falava com ela de novo? Não é que falou?
Rosinha, mui gentil e competente, em simplórios quinze minutos passou a instrução. Explicou a sincronia. A administração do tempo. O domínio dos gestos. A forma de dominar a fera automóvel.
Bastante e suficiente. Quando Tio Zózimo passou conduzindo a Kombi de forma jamais vista. Suave. Controlado. Retilíneo. Sem Salto. As janelas suspiraram de alívio.
Dali pra diante, Tio Zózimo passou não só a respeitar as paciências e virtudes da Kombi, mas também a ver as pessoas de outros ângulos.