O último leiteiro

A novidade estourou. Gente correndo para saber. Gente disputando para ser o primeiro a contar. O povo não se controlava. Formigueiro. Uma vontade de passar a notícia para a frente. Quem não conseguia ouvir esticava os ouvidos. O leite não virá mais em tambor na carrocinha. Virá já embalado numa garrafa de vidro. Sentenciou, sério, Dona Marlene aplicando laquê no cabelo de Dona Dulce.

O burburinho novidadeiro só se calou quando Seu Bonifácio apareceu no final da rua. Conforme ele ia passando, um silêncio gelado ia se instalando. Os olhos dele eram duas estacas. Queimavam. Faziam gelar. Mas, na medida em que ele ia se distanciando, o povaréu reiniciava a conversa.

A notícia do leite engarrafado, como toda novidade gerou milhares de dúvidas. Onde já se viu? Este negócio de engarrafar leite não vai pegar é nunca! O Marcinho da farmácia, brincalhão de primeira, não deixava por menos. Só faltava esta, colocar a vaca dentro da garrafa! Quero ver quem vai acertar o esguicho do leite no gargalo de vidro.

A cada porta de bar que seu Bonifácio passava, o pessoal se calava, não por medo nem por respeito. Era para não dar trela senão Seu Bonifácio deitava a falação, proclamando defeito em todo mundo. Um por um. O fiscal da rua, cada um pensava dele, e guardava para si. Até O suspiro cor de rosa e outros doces no balcão do bar também se encolhiam com medo do Sr. Bonifácio por gosto ruim neles.

A carrocinha de leite, com seus dias contados, surgiu no alto da rua. O cavalinho puxando. O leiteiro, seu Antônio. Os galões. Todos correram ao portão para dar adeus. E o sol foi caindo, caindo. Aos poucos. E a figura do leiteiro foi desaparecendo, desaparecendo. Até sumir. Para sempre.

Não deu tempo de dar o último olhar. É que a figura do Seu Bonifácio pintou lá embaixo. Receosos todos correram se recolher. Seu Bonifácio vinha olhando severamente. Levantando suspeitas ferozes. Calçada por calçada, cerca por cerca, quintal por quintal. Assim que ele distanciou, todo mundo arriscou-se voltar aos portões para tentar dar lo último adeus ao leiteiro.

No outro dia, a caminhonete branca. Jovens de guarda-pó e galochas brancas, traziam correndo as garrafas branquinhas. De leite. Pasteurizado. Malemá davam bom dia. E corriam para atingir a meta de entrega do alimento precioso. Seu Manoel açougueiro, no final da tarde, na Casa Liberal, bateu no balcão e disse com sua voz grossa: Isso não vai durar muito. Do jeito que este mundo é doido logo, logo, aposto com vocês, o leite, produto da vaca, virá, casa por casa, em saquinhos de plástico.

Diante da fantástica previsão, até Seu Bonifácio, o terrível fiscal das vidas alheias, preferiu ficar quietinho.